Depois... em Abril de 1975 fui "riscado" da Mesa de Voto. Porque uns senhores que nunca ninguém viu pelo Souto, "decretaram" que eu não era da terra, pese constar no BI - no limite nem seria filho dos meus pais, neto dos meus avós.
Mal soube da afronta, com o emblema do CDS ao peito parei na Havaneza a comprar duas folhas de papel selado e a anunciar ao Sr. Daniel - de olhos esbugalhados pois imaginar-me-ia do PSD, como era suposto ser todo o Souto, no seu inflamado partidarismo - que ia à Câmara impugnar as eleições no Souto.
Ainda o estou a ver a espreitar e a confirmar ver-me desaparecer pelo Largo Ramires Guedes acima...
Lá na Câmara uns cabeludos de olhar furibundo e a diplomacia de um Engº Bioucas e de um Manuel Nogueira a contemporizarem, que não senhora do CDS não viera ninguém. Mas não era do CDS que eu invocava a representatividade, mas como soutense excluído.
Bem, que sim senhor podia ser fiscal pelo CDS.
Fiscal?! Eu sou contra qualquer velha ou nova Pide, arrematei. E voltei-lhes as costas.
Parei na loja das tintas do amigo Taborda.
Queria duas latas de tinta, para pintar um tanquezito a imitar uma piscina tentando despistar o funcionário, que viria a saber mais tarde, não era comunista... Coisa rara em 75...
Não, nada desse azul bebé que o empregado trazia. Quero azul mais forte, não vá desbotoar com o sol. E o amarelo torrado para a bordadura ocre, acabou mesmo laranja forte, também para não perder o colorido com o tempo, rematei na explicação com óbvia intenção de despistar a coisa, pois aquele emblema do CDS parecia grande demais para a acanhada democracia de Abril.
Passava da meia-noite, e o local das duas assembleias de voto na sede da Sociedade Recreativa do Souto já tinha as paredes com CDS a azul forte e PPD ( ainda não havia PSD), a laranja, numas siglas com letras garrafais, enormes, com um metro de altura. Umas vozes faziam ouvir-se e a aproximarem-se. Eram quatro fregueses do fecho da taberna local. Eram todos do PCP. Peguei na eescada atirei-a ao mato e fomos esconder-nos para os primeiros pinheiros.
Nessa altura ainda havia pinheiros que não ardiam..
Puxei a minha irmã que pintou as siglas todas do PPD. Com a perícia de quem tinha acabado 30 meses de tropa há poucas semanas, carreguei a caçadeira de um cano, que trazia dobrada num saco de linhagem.
Berraram que nem histéricas, aquilo não era de gente da terra, sópodia ser de reaccionários de Abrantes. O Souto, nem para os comunistas era terra de Abrantes à época.
Depois de uma longa meia hora lá caminharam para as suas casas e nós lá se levantámos para acabar a pintura...
Mal ficara em pé oiço um "estalido" que logo identifiquei com o ruído do fecho da culatra. Para o chão gritei à minha irmã...
E soou um "assobio" que ainda hoje reconheço como o assobio que em miúdo ouvia na iminência de saltar coelho do buraco, quando acompanhavam com uma pressão de ar o meu pai na caça...
Ele tinha descido pelos quintais e soubera sem a gente saber, montar uma vigilância apertada. Tinha cinco tiros prontos a saírem...
Felizmente, nada aconteceu que o justificasse.
DOIS DIAS DEPOIS, montava guarda num perímetro de 500 metros em volta da Sociedade Recreativa e das messa de voto, no dia dessas eleições para a Constituinte, um pelotão do RI 2 comandado por um furriel de Lamego. Vi a conhecer um desses soldados só em 2005, que acabou a fazer campanha autárquica muito ao meu lado, um soldado desse mesmo pelotão e abrantino, de seu nome Virgílio Marques, dos Casais de Revelhos.
Confirmou toda a razão daquela segurança militar à assembleia de voto no Souto.
À fala com um amigo meu ao comandante do pelotão vi a saber dessa aparatosa medida de segurança. O furriel com o sotaque nortenho lá nos esclareceu, que lhe haviam dito no RI2 que no Souto havia muitos e perigosos "reaccionários"...
Palavras para quê?!
A terra, a nossa terra continua a precisar de ser defendida. Nesta altura, defendida de tudo e de todos e no limite, quiçá, até da nossa sombra...
Em 1979 contabilizava 76 % no CDS para a Junta.
Em 1982 o Dr. Manuel Macedo Mesquitela convidava-me para encabeçar a lista à Câmara pelo CDS pois não queriam o Dr. Humberto Lopes indicado pelo PPD.
Recusei. Disse candidamente, que não me achava com competência ainda paraa o cargo de presidente da Câmara. Tinha apenas 30 anos. Era muito novo ainda.
Em 2005 fui candidato e não deixaram de me acusar de "oportunista"... A igorância vil e mesquinha e a ingratidão sempre foram os transes mais amargos nesta vida...
Aqui estou. Não tenho que pedir licença a ninguém para aqui estar. Aqui ou em qualquer parte. Nem ficarei calado, sempre que for preciso falar!
Desculpem o tempo que lhes roubei nesta memória da vida...