Nos idos de 1988 na Rua das Praças, à Lapa, procedia à reabilitação de uma velha cavalariça que fora da Condensa de Castro, transformando-a numa moradia de dois pisos, por encomenda da Condensa de Vimioso, D. Maria José de Mello, sobrinha de Ricardo Espírito Santo, de quem me contava imensos relatos e episódios de seu tio que tanto venerava.
As dificuldades de estacionamento na Lapa eram imensas e como a jovem esposa de António Mega Ferreira, não fosse pessoa para chegar a casa (morava nessa rua) a horas fáceis de encontrar lugar, numa dessas madrugadas fez do espaço entre a betoneira e a areia das obras, o lugar de estacionamento do seu pequeno carro. Acordou depois das oito horas, o que resultou num embaraço nos trabalhos da obra, pelos longos minutos de espera.
Recompensou-nos com um sorriso maroto e uma correria de afogadilha, que a umas dezenas de metros de distância, já a identificavam como a bonita condutora de tão mau estacionamento.
Desfez-se em mil desculpas e não me restou outra hipótese que não fosse retribuir em dobro todos aqueles seus sorrisos, tanto mais que já a havia reconhecido dos programas da RTP e como a autora desse bonito romance "Adeus Princesa", onde retratava a vida agitada do Alentejo, antes e durante a famosa e controversa Reforma Agrária.
Sossegueia-a quanto ao tipo de habitação que ali iria renascer, de uma moradia unifamiliar de dois pisos e nunca a torre que ela tanto temia. E à penúltima despedida já sentada ao volante, novo pedido de desculpas e um adeus. Ao que eu correspondi com uma das minhas mais mais bem inspiradas e irónicas tiradas: "adeus princesa"! - precisamente, o título do romance dela.
Ela abriu muito os olhos, espantada. Sorriu e como mantivesse ainda os olhos arregalados, intrigada, mas sem se atrever a desfazer a surpresa daquela frase que escutara - nunca imaginou o empreiteiro lá da obra na rua a ler o seu romance... - só me restava satisfazer a sua enorme curiosidade, que continuava espelhada naquele olhar matreiro, agora mais gracioso ainda, com aquelas pequenas sardas a emoldurar os seus olhos muito vivos, com que me fixara.
- Bonito romance o seu. Não me estava a ver como seu leitor e admirador?! - ao que ela abanou a cabeça e disse:
- Não imaginava, de todo. Obrigado...
E nos dias que se seguiram, nunca mais se cansou de acenar, sorrir muito, em sinal de agradecimento, pese o olhar de poucos amigos de quem nessa época a acompanhava...