«As relações da sociedade com o território deixaram de ser dominantemente resolvidas através da sua apropriação e da construção pragmática dos espaços para serem, cada vez mais, tecidas por uma burocracia pesada.
Ao Urbanismo e ao Direito compete trazer clareza a todo este processo de ordenamento do território...
Algo está errado quando o legislador, por exemplo, se atreve a fazer uma lei como a da Reserva Agrícola Nacional (Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março), onde, na alínea c) do seu art.º 22.º.
A lei considera que um prédio na posse de um proprietário pobre beneficia de direitos acrescidos relativamente a prédios idênticos que estejam na posse de um proprietário mais abastado. Neste contexto, uma parcela rústica, de preferência pequena e com aspecto humilde, titulada por alguém que consiga obter um atestado de "insuficiência económica", quase automaticamente acede ao direito de edificar a sua casa isolada, com elevados custos de infraestruturação e causando graves problemas de desordenamento territorial. Como em Portugal há seguramente mais de dois milhões e meio de pessoas em estado de insuficiência económica, toda a courela situada na Reserva Agrícola que se registe em nome de um desses carenciados ficaria aberta à edificação. São irracionalidades como esta que estão na origem do desordenamento do território nacional.
Este tipo de diplomas tem outras perversidades, não menos graves, como sejam os poderes conferidos aos técnicos dos serviços públicos ou aos membros das comissões e entidades para quase arbitrariamente poderem condicionar e determinar usos do solo, direitos de construção e, assim, dar ou sonegar mais-valias sem qualquer explicitação e procedimentalização.» Sidónio Pardal