MANUEL LUCENA
MORREU UM GRANDE PENSADOR
«Na década de 1970, Lucena explicou como o Estado que saiu da revolução de 25 de Abril tendeu a continuar em aspectos fundamentais, especialmente na sua relação com a sociedade, o Estado salazarista. Havia, claro, pluralismo partidário, liberdade de imprensa, e pretensões de integração europeia. Mas mantinha-se, sobretudo nos anos a seguir ao PREC, antes das revisões constitucionais de 1982 e de 1989, a tutela sobre os cidadãos, limita...dos nas suas escolhas pelo Conselho da Revolução, condicionados na sua liberdade de iniciativa por uma burocracia neo-corporativa e pelo monopólio estatal de uma grande parte dos sectores de actividade, e enquadrados nos seus conflitos pela tradição de “concertação social” (além de dependentes, na sua vida, de uma previdência corporativa já a desenvolver-se, sob Marcelo Caetano, em Segurança Social).
Era este o tema do Estado da Revolução, publicado em 1978, e que é provavelmente a mais profunda e a mais tocquevilliana reflexão sobre o nosso regime democrático. Lucena parte das “profundas, embaraçosas semelhanças” entre a constituição salazarista de 1933 e a constituição democrática de 1976, ambas assentes na “fraqueza da sociedade civil face ao Estado”, não para dizer, como ele nota, que “tudo continua como dantes”, mas para deixar um aviso: “apenas se chama a atenção para a possibilidade de à ditadura arribarmos por paulatina degradação interna, no impenitente exercício de piedosas intenções democráticas e socialistas”. Até porque o “compromisso constitucional vigente” lhe parecia “muito mais desequilibrado que o do Estado Novo”.
Mas Lucena não se limitou a estudar o problema. Dois anos depois, em 1980, aderiu à Aliança Democrática e à candidatura presidencial do general Soares Carneiro, na medida em que lhe pareceu um projecto de autonomização da sociedade civil, modernização do Estado e integração na Europa. Esteve assim entre aqueles que impediram que as piores previsões se confirmassem em Portugal.» in O Observador, por Rui Ramos