Nada disto tinha acontecido, desde Hitler.
«
Passado um mês da vitória do Syriza, temos um mau acordo para os gregos, que o aceitaram com reserva mental e dificilmente o cumprirão, e um mau acordo para a União Europeia, que o fez também com reserva mental para “esmagar” os gregos. Pelo caminho, revelou-se um “estado” da Europa que assusta qualquer um, com uma elite governamental sob a batuta de um alemão vingativo, Schäuble (muito mais do que Merkel), que se dedicou a punir a Grécia pelo atrevimento. A Grécia, o país que mais do que qualquer outro tem razões de queixa da Europa, tendo sido sujeito a uma imposição de violenta austeridade sem qualquer resultado palpável, sob um governo espelho do poder europeu, um partido do PPE aliado com um do PSE. Não foi o Syriza que colocou a Grécia no estado em que está, foram a troika e o Governo grego amigo de Merkel, Rajoy e Passos Coelho.
O que se assistiu foi a uma pura exibição de poder imperial, até com uma dimensão individualizada em Schäuble, rodeado por uns gnomos serviçais e no meio de uma série de governantes que de há muito se esqueceram que eram democratas- cristãos, sociais-democratas, socialistas, e que agora são “europeístas”, uma coisa indiferenciada e iluminista, feita de uma engenharia utópica serôdia e do mais clássico impulso burocrático. O que mais os incomodou naquelas salas não foi a petulância de Varoufakis, nem os discursos inflamados de Tsipras, mas o facto de os governantes gregos terem lá chegado com um esmagador apoio popular, que as sondagens revelam ir muito para além dos resultados nas urnas, e de eles estarem acossados em cada país, a começar pelos mais serviçais, portugueses e espanhóis.
Para esta elite é inaceitável que ainda haja governantes que olham para baixo, para a vontade de quem os elegeu, mal ou bem, enquanto eles o que têm feito é evitar cuidadosamente levar a votos aquilo que estão a fazer, muitas vezes a milhas daquilo que prometeram nas suas campanhas eleitorais. Por isso, os gregos tinham de ser esmagados e humilhados, para regressarem à pátria como demonstração viva de que não há outro caminho que não seja a submissão, a “realidade”. A frase jocosa de Schäuble, dizendo que “os gregos certamente vão ter dificuldades em explicar este acordo aos seus eleitores”, é o mais revelador do que se passou. Não foi o dinheiro, nem a dívida, nem as “regras”, foi obrigar o Syriza a comer o pó do chão e quebrar o elo entre eles e os seus eleitores, essa coisa mais do que tudo perturbadora para estes homens.
E não me venham dizer que o que está em jogo é a vontade dos eleitores alemães contra a dos gregos, porque a última coisa que passa pela cabeça de Schäuble é pensar que faz o que faz porque é o que os seus eleitores desejam. Ele faz o que faz, porque defende o poder alemão na União Europeia e assim os interesses últimos da Alemanha, económicos, sociais e políticos. Ele pode ser nacionalista, os gregos não. Toda a gente percebe que o que se passou não pode ser esquecido ou “arrumado” e andar-se para a frente. Daqui a quatro meses vai tudo voltar outra vez ao de cima e é até bastante provável que a Grécia deixe o euro. Claro que nesse mesmo dia deixará de pagar a dívida e as centenas de milhares de milhões de euros emprestados vão ao ar.
Mas se é possível admitir um processo de saída do euro sem grandes convulsões institucionais, o que é que acontece se a Grécia quiser continuar a fazer parte da União Europeia, onde tem um voto juntamente com os outros países que, em matérias que implicam a unanimidade, é um veto? Política externa, por exemplo. Será que a Grécia pode ser “expulsa”? Não pode, a não ser que se mudem os tratados, para o que é preciso o voto grego…
Pacheco Pereira in Abrupto