O meu avô Martinho e a minha avó Maria Joaquina ( a ti Duque) já com duas filhas e um filho não se conseguiam governar" apenas com a jorna de carpinteiro do meu avô, da colheita da horta - ou melhor das diversas hortas, desde o Arneiro na Ribeira da Brunheta, à parcela calhada em sorte no barroco da Gafaria, à horta da Fonte ( onde eu próprio aos 5 anos ia morrendo afogado num poço) e de alguns dias da minha mãe, como "cachopa" a trabalhar para fora, nas tarefas agrícolas da época para alguma vizinha, logo a partir dos dez doze anos, quando já deixara de ensinar as mais novas nas aulas da professora D. Alice de Brito, uma docente avarenta e mesquinha na seleção das suas alunas a enviar a exame da 4ª classe a Abrantes.
A professora D. Alice de Brito era conhecida pelas piores razões, em matéria de propor alunas suas a exame. Para além do mérito das alunas - muito discutível e que só a própria docente conseguia provar, a seu belo prazer - a professora estabelecia um critério muito apertado de escolha, onde regra geral só cabiam as filhas das pessoas que mais lhe agradavam ou a bajulavam. Nem se pode dizer que fossem as pessoas mais ricas, pois até a filha de um grande agricultor da Ribeira da Brunheta viu o seu nome arredado da lista para exame em Abrantes, quando tinha e teve mérito escolar reconhecido e acabou por ser mãe de quatro filhos, três deles com grau de licenciatura superior, e outro com graduação média superior, em escola agrícola. O filho mais velho, até acabou por se licenciar em Finanças Públicas e mais tarde em Direito.
No caso da minha mãe, Delmira Baptista, a razão para não a levar, nunca podia ser por falta de aproveitamento escolar, pois um ano depois de ter ficado à espera de ir a exame ainda a professora D. Alice, insistia com ela, e pedia ao meu avô que deixasse a filha ir mais uns tempos à escola, para ensinar as mais novas da escola, porque era muito dotada para o efeito.
Simplesmente bizarro.
Mais bizarro ainda, quando uma professora que até mereceu o nome de uma rua no Souto e tão enaltecida por alguém num livro de "história local", deu ao meu avô a desculpa para não mandar a filha a exame, com um argumento simplesmente indigno de uma docente.
O argumento, dito com tamanha crueldade e desprezo, por uma professora com nome em rua do Souto, foi este : " Martinho, para que precisas que a tua filha faça o exame da 4ª classe, quando tens tanta lenha e mato para ela acarretar? "
Alguém que venha elogiar uma professora desta natureza, só pode ser parvo ou ignorante. Claro está que esta professora tinha " as costas quentes" por ser peça importante no movimento católico regional e ao que diziam, ter a "simpatia" pessoal, do próprio presidente da câmara.
" POVO QUE LAVAS NO RIO E TALHAS AS TÁBUAS DO TEU CAIXÃO..."
Dois serradores amigos do meu avô, Joaquim Capitão ( último residente do Contraste) e António Nunes Rebolão ( Fundo da Aldeia) serravam à beira do rio uns pinheiros no pinhal herdado no Lagedo, Bioucas. E logo ali um garrafão de vinho à sombra, mas ainda no raio de visão dos esforçados serradores a puxarem a serra na "burra" lá iam talhando os troncos desses pinheiros grandes, para as ilhargas dos caixões.
O trabalho de moldagem das peças era ali iniciado pelo meu avô, com os topos desenhados com a inclinação mais adequada à junção e moldura dessas ilhargas. A base e a tampa eram duas peças simétricas que deixavam o "envazado" do interior moldado. Lá estava a minha mãe e a minha avó Joaquina para carregarem com as duas "metades" do caixão, do pinhal do Lagedo até ao caminho da Maxieira.
Valia-lhes a tia Engrácia ( irmã da minha avó Joaquina) estar sempre atenta a todos quantos ela estimava e sabia ir ao seu encontro com uma peculiar palavra de ânimo, que tanto caracterizava a sua generosa e genuína simpatia pessoal.
E logo ali, ao cimo da ladeira, já no "seu" Casal do Meio, lá estava uma atenção que ia sempre para lá do copo de água fresca e da fruta da época, colhida como ela tanto fazia crer aos familiares e amigos, como se o tivesse feito já a pensar neles.
De Bioucas ao caminho da Maxieira era só um "saltinho"...
Entretanto, chegados ao Souto, lá vinha um recado da queijeira da Cabeça Gorda, para que fosse levar mais um caixão ao Sr. Zeferino da Aldeia de Mato, o comerciante depositário dos caixões e que precisava sempre de manter o seu "stok" de reserva, assegurado para a derradeira "necessidade" de um qualquer cliente.
De início era a minha bisavó Ana ( casada com o bisavô João Pedro Júnior, o "Duque, alcunha por ter muitas terras suas) quem arregrava o caixão, quando a minha mãe apenas tinha dez ou doze anos ( 1938/1940). Uma tarefa que a minha bisavó Ana fazia com agrado, por que tinha nascido na Aldeia de Mato. O seu pai ( João Menino ) faleceu precocemente. A viúva viria a casar mais tarde e a ter mais filhos desse segundo casamento, tendo vendido as terras do falecido e da sua filha única - e eram de assinalável valor - para as trazer para o segundo casamento, com Manuel Brás de Bioucas, misturando-se aí todo o património indevidamente, com inegável prejuízo para a herança da minha bisavó, filha única que foi do falecido João Menino.
(continua)