Há evidente contradição. Ou terá o então Bispo de Portalegre amadurecido a caminho do Porto, para só de lá em 1958, se ter lembrado do que viu sofrer na sua paróquia do Souto?!
Quais foram as palavras de conforto e de apoio no terreno para com a população da freguesia do Souto, que se via completamente desprotegida?
Terá essa "hipotética ideia de excomunhão aos autarcas", que se leu por Abrantes, um sentido de proteger os fregueses desses maus autarcas?!
Nos excertos da famosa "Carta a Salazar" que o Bispo do Porto enviou sete anos após Castelo de Bode, não parece que haja alguma alusão a essa obra que para benefício do país, tantos estragos causou na vida dos 8 mil habitantes do Norte do concelho de Abrantes. D. António estava em Barcelona, quando aconteceram as eleições, um pouco antes de seguir a carta para Salazar, o que já em si, é algo sintomático...
(CARTA A SALAZAR)
Ao Exm° Senhor Presidente do Conselho Lisboa
Porto, 13 de Julho de 1958 Excelência:
Cumpre-me, antes do mais, agradecer a V. Ex.a o ter manifestado a boa disposição de me ouvir.
Na verdade, estando eu, na ocasião das eleições, legitimamente ausente em Barcelona, a deslocação a Portugal, que se me pedia, por forma tão extraordinária e pública, não poderia deixar de considerar-se propaganda da Situação, visto que, nas condições das duas candidaturas, sem falar sequer na posição ideológica de quem mo pedia, era praticamente voto aberto. Isto tinha talvez menos importância; o que a tinha máxima era o carácter plebiscitário que se tem dado às nossas eleições, carácter que eu procurei fazer compreender ao grupo de pessoas que se me dirigiu e que depois V. Exª. publicamente reconheceu.
(...) Quero, sobretudo e antes de tudo, acentuar que aquilo que se põe à minha
consciência é um problema directamente de Igreja. A grande e trágica realidade, que já se conhecia mas que a campanha eleitoral revelou de forma irrefragável e escandalosa, é que a Igreja em Portugal está perdendo a confiança dos seus melhores. Não direi se este processo está em princípio, no meio ou perto do fim; o que é evidente é que tal processo está em curso, por mim penso que muito e muito adiantado. Apresentarei apenas dois factos, que, podendo servir de símbolos, são já de si realidades enormes. No Minho, coração católico de Portugal, onde se pensava que bastaria sempre o abade dar o alamiré e todos entravam imediatamente no coro, no Minho católico, mal os padres começavam a falar de eleições, os homens, sem se importarem com o sentido que seria dado ao ensino, retiravam-se afrontosamente da igreja.
(...) São os dois pólos, o da tradição e o da recristianização: do que fica no meio facilmente se poderá julgar. Está-se perdendo a causa da Igreja na alma do povo, dos operários e da
juventude; se esta se perde, que poderemos esperar da sorte da Nação?
Como meio único de salvação, querem que cerremos fileiras em volta do Estado Novo. E apontam-nos os dentes das feras, que se aguçam, e previnem-nos contra o masoquismo do martírio e lembram-nos os frades espanhóis que votaram pela república em lista aberta... tudo isto para que as ovelhas se congreguem em volta do pastor. Não me compete examinar nem discutir todos estes conselhos enquanto dirigidos aos cidadãos portugueses; mas cumpre-me examiná-los e julgá-los enquanto dirigidos aos fiéis da Santa Igreja, como tais e insistentemente como tais.
(...)Temos obrigação de pedir e realmente pedimos a Deus que nos dê força e constância para afrontarmos a incompreensão e mesmo o martírio pela causa da Verdade e da Justiça. Mas poderemos traduzir esta imediatamente em termos de Estado Novo?!...
Ou, em atitude aparentemente contrária, abrigarmo-nos à sombra da pax augusta do
Estado Novo, haja o que houver com a Verdade e com a Justiça?!...
(...) Lembro bem a comoção e o entusiasmo, o sobressalto de esperança com que acompanhamos os inícios da carreira de V. Exa. Mais que para todos, era para nós, afastados da Pátria, uma espécie de resgate e reabilitação perante o estrangeiro desprezador. Devo conservar ainda algures um saco de papel em que religiosamente ia guardando cada palavra de V. Exa ou cada referência que lhe era feita. Além de tudo o
mais que sentíamos como portugueses, acrescia que, sendo V. Exa para além da Sua competência profissional, apenas conhecido pelas suas actividades no campo católico, era uma espécie de oferta que a Igreja fazia à Pátria num momento crucial.
Pois não diminuiu a minha estima e respeito pela personalidade de V. Exa nem a minha admiração pela Sua inteligência.
E, no entanto...
Na tremenda crise nacional que a campanha das eleições pôs a nu, todo esperavam a palavra de V. Exa, uns para se guiarem, outros para julgarem do momento.
Ouvi e li, com o maior interesse, o discurso de V. Exa de 31 de Maio.
(...)Quando porém cheguei ao problema social, tudo começou a ser difícil. Involuntariamente encontrei-me a fazer um exercício lógico (o qual depois segui conscientemente) que consistia em procurar a exacta contraditória das posições expressas por V. Exa, a fim de ver onde me devia situar.
(...) Mas, na medida em que aqui se incluam as questões fundamentais, da liberdade e autoridade, da justiça e da ordem, da pessoa e da colectividade — e em boa verdade não vejo como afastar essas questões de perspectiva tão larga e de expressão tão categórica.
— Por mim vejo todos os inconvenientes em transigir com a ciência; mas não vejo vantagem nenhuma em afogar o grito de dor.
Problema de Igreja é igualmente o corporativismo. A Igreja "comprometeu-se", não com o Estado corporativo, mas com a ordem corporativa da sociedade. E bem sabemos, entre nós, como do respectivo Ministério se quer "comprometer" a Igreja na sua doutrinação e acção. » excertos da Carta do Bispo do Porto a Salazar.